Quem foi Justino Mártir?

Justino Mártir (c. 100-165 d.C.), também conhecido como São Justino, foi um dos primeiros grandes teólogos e filósofos cristãos do século II. Nascido por volta de 100 d.C. em Flávia Neápolis, uma cidade na antiga Samaria (atualmente Nablus, na Cisjordânia), Justino teve uma educação pagã e foi fortemente influenciado pelas diversas correntes filosóficas da época, especialmente o platonismo, o estoicismo e o pitagorismo.

Formação e busca filosófica

Justino buscou a verdade através de diferentes escolas filosóficas antes de sua conversão ao cristianismo. Em suas obras, ele conta que estudou com mestres estoicos, peripatéticos (seguidores de Aristóteles), pitagóricos e finalmente platônicos, sendo este último que mais o influenciou. Ele foi profundamente influenciado pelo conceito de Logos presente na filosofia platônica, uma ideia que se tornaria central em sua interpretação do cristianismo.

No entanto, apesar de sua busca pela sabedoria nas filosofias pagãs, Justino não encontrou uma resposta satisfatória para o que considerava as questões mais profundas sobre Deus, a verdade e a vida. Foi então que ele conheceu o cristianismo, influenciado pela coragem dos cristãos em face da perseguição e pela sua moralidade. Justino se converteu após um encontro com um ancião cristão, que lhe explicou como Cristo era a personificação do Logos, o Verbo Divino, uma ideia que harmonizava com seus conhecimentos filosóficos.

Conversão ao Cristianismo

Sua conversão foi um marco significativo em sua vida, e ele passou a considerar o cristianismo como a verdadeira filosofia, superior a todas as escolas de pensamento da Antiguidade. Após sua conversão, Justino passou a viajar pelo Império Romano, ensinando e defendendo a fé cristã, algo pelo qual ele se tornaria amplamente conhecido.

Ele se estabeleceu em Roma por volta de 135 d.C., onde abriu uma escola de filosofia cristã, ensinando que o cristianismo era a culminação da verdade que os filósofos pagãos buscavam. Ele vestia o manto de filósofo, característico de sua formação, e ensinava publicamente, fazendo uma ponte entre a filosofia grega e a fé cristã.

Apologias e obras

Justino escreveu várias obras em defesa do cristianismo, sendo as mais importantes:

  1. Primeira Apologia: Esta obra, dirigida ao imperador Antonino Pio (138-161 d.C.), defende os cristãos das acusações de ateísmo (já que não adoravam os deuses romanos) e de praticarem rituais imorais (como canibalismo, em razão de mal-entendidos sobre a Eucaristia). Justino argumenta que os cristãos são cidadãos leais e que sua fé é, na verdade, a forma mais elevada de verdade filosófica, por revelar o verdadeiro Deus. Ele também descreve as práticas litúrgicas cristãs, como o batismo e a Eucaristia, e argumenta que muitos ensinamentos de filósofos pagãos são compatíveis com o cristianismo, graças ao conceito de Logos.

  2. Segunda Apologia: Mais curta que a primeira, esta obra é uma continuação da defesa do cristianismo, abordando temas semelhantes, mas com um foco particular nas injustiças cometidas contra os cristãos em Roma. Justino destaca as perseguições que os cristãos enfrentavam e argumenta que a fé cristã não representava uma ameaça para o Estado, mas sim uma busca pela verdade e pela moralidade.

  3. Diálogo com Trifão: Nesta obra, Justino relata um diálogo fictício entre ele e um judeu chamado Trifão. Aqui, Justino defende a divindade de Jesus como o Messias prometido e tenta provar, através das Escrituras hebraicas, que o cristianismo é o cumprimento da lei judaica. Ele tenta convencer Trifão de que os cristãos são o verdadeiro Israel espiritual.

Filosofia do Logos

Justino é mais conhecido por seu desenvolvimento da doutrina do Logos. Ele acreditava que a verdade não era exclusiva do cristianismo, mas que fragmentos da verdade podiam ser encontrados em outras religiões e sistemas filosóficos, porque o Logos (a Palavra ou Razão Divina) estava presente em todas as culturas. No entanto, ele argumentava que o Logos se revelou de forma completa e encarnada em Jesus Cristo. Assim, Justino via no cristianismo a realização de tudo o que de bom e verdadeiro havia sido dito pelos filósofos gregos, especialmente por Platão e pelos estóicos.

Essa ideia foi crucial para a interação entre o cristianismo e o pensamento grego, ajudando a fazer uma ponte entre a fé cristã e a filosofia clássica. Justino defendia que todos os homens, em maior ou menor grau, participavam do Logos, e que a verdade de Cristo podia ser encontrada, de forma velada, nos escritos dos antigos filósofos, como Sócrates e Heráclito.

Martírio

Justino viveu em um período de intensas perseguições aos cristãos pelo Império Romano. Em Roma, ele continuou a ensinar e escrever sobre a fé cristã, mas, por volta de 165 d.C., durante o reinado do imperador Marco Aurélio, ele foi denunciado como cristão. Segundo a tradição, Justino e alguns de seus discípulos foram presos e levados diante do prefeito de Roma, Júnio Rústico.

Quando lhe foi pedido que renunciasse à sua fé e fizesse sacrifícios aos deuses romanos, Justino recusou, afirmando que nenhum cristão em sã consciência poderia abandonar Cristo. Por causa dessa firmeza, ele foi condenado à morte por decapitação, recebendo assim o título de “Mártir”. Sua coragem e testemunho final fortaleceram sua reputação como um dos maiores defensores do cristianismo primitivo.

Legado

Justino Mártir foi um dos primeiros a usar a filosofia grega como uma ferramenta para explicar e defender a fé cristã. Ele ajudou a estabelecer a ideia de que a fé cristã não era irracional ou supersticiosa, mas uma expressão verdadeira da busca humana pela verdade. Seu trabalho em unir filosofia e teologia deixou um impacto duradouro na Igreja e no pensamento cristão.

Ele é reverenciado como santo tanto pela Igreja Católica quanto pela Igreja Ortodoxa, e sua festa é celebrada no dia 1º de junho.

Seu trabalho e martírio o tornaram um símbolo da fé cristã frente à perseguição, e suas ideias sobre o Logos influenciaram profundamente o desenvolvimento da teologia cristã nos séculos subsequentes.

 

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